quinta-feira, agosto 31, 2006

Rendida a adamastor


Vênus, segundo mitologia romana fora a deusa do panteão, a deusa do Amor e da Beleza. Diz o mito que surgiu de dentro de uma concha de madreperola, tendo sido gerada pelas espumas, contudo a versão mais difundida é que esta terá nascido da união de dois amantes: Jupiter e Dione.
Ela fora uma das divindades mais veneradas, representando o ideal de beleza feminina. Contudo faltava-lhe algo… Aquela que instigava ao amor, adorada por todos e vítima de cobiças pagãs nunca sentira o verdadeiro amor.
Certo dia, enquanto passeava, pela ilha dos amores, no seu carro puxado por cisnes, avistou ao longe no mar uma figura colossal, misteriosa e robusta. Tratava-se do gigante dos mares, o tenebroso Adamastor. Vénus já tinha escutado histórias que envolviam tal personagem, contudo nunca acreditara nelas. Ninguém poderá ser tão frívolo e implacável cogitara ela.

Os dias foram passando, mas a imagem daquela força da natureza não lhe saíra do pensamento. Queria chegar até ele, ver mais de perto aquele ser que tanta curiosidade nela suscitava. Todavia, os obstáculos eram incomensuráveis, a distancia que os separava era desmedida, o mar que teria de atravessar inóspito, e não teria o apoio dos seus protectores.

Movida pela curiosidade e espírito aventureiro partiu rumo ao mítico gigante dos mares. Foram dias e dias de solidão, instantes de desespero, mas nada a combaliu.

Adamastor por sua vez intrigava-se, durante algum tempo que cobiçara a beleza de Vénus, mas jamais considerou que esta se depusesse do seu pedestal e tão valente e braviamente ousasse enfrentar os mares até à sua humilde morada. O seu ser engrandeceu, sentira-se muito valorizado. A princesa das princesas viera visitá-lo.
to be continued...

quarta-feira, agosto 23, 2006

ANNABEL LEE

Não resisti a colocar neste espaço um poema que considero dos mais belos que já li. Muitos certamente desconhecem o seu autor original, mas creio que todos já se deliciaram com aquele que trouxe até nós tão sublimes versos.

ANNABEL LEE *(de Edgar Allan Poe)

Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.

*tradução de Fernando Pessoa
Não vale a pena dizer mais nada... espero que apreciem este poema de Poe tanto como eu.

terça-feira, agosto 22, 2006

Ser Pessoa


"Tornei-me uma figura de livro, uma vida lida. O que sinto é (sem que eu queira) sentido para se escrever que se sentiu. O que penso está logo em palavras, misturado com imagens que o desfazem, aberto em ritmos que são outra coisa qualquer. De tanto recompor-me destruí-me. De tanto pensar-me, sou já meus pensamentos mas não eu. Sondei-me e deixei cair a sonda; vivo a pensar se sou fundo ou não, sem outra sonda agora senão o olhar que me mostra, claro a negro no espelho do poço alto, meu próprio rosto que me contempla contemplá-lo." Fernando Pessoa in "livro do desassossego"

A vida passa por nós a um ritmo frenético, corremos de um lado para o outro sem sabermos que rumo lhe dar. Na maioria das vezes a nossa passagem limita-se a uma especie de superficialidade que nos impede de ser imortalizados pelos demais. Será que algum dia nos chegamos a conhecer?

Norteados por questões existencialistas, quem já não se olhou ao espelho, numa tenativa fugaz de reencontro com o seu EU e colocou as seguintes questões: Quem somos? O que somos? Qual a razão da minha existência?

Quando nos olhamos ao espelho, e vislumbramos o reflexo da nossa imagem será que sabemos quem é aquele ser cuja imagem, apesar da sua nitidez ,se reflete no nosso inconsciente de forma desfocada. Ou será que tal como Pessoa sentimos que "Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu."

Sou comandante de um navio sem rumo, navegando por mares inóspitos numa solidão eterna. Desconheço a razão da minha existência, desconheço o ser que reside em mim. não sei quem sou, de onde vim e muito menos para onde irei, "só sei que nada sei". O meu corpo e o meu cérebro parecem não se conhecer, cada qual pretende seguir uma trajétória diferente. Eu inocentemente acredito que os controlo...

Sinto-me presa em mim... solto gritos mudos para que não me possam ouvir. Estou presa mas protegida. Olhei em meu redor, a vida fervilhava, num silêncio ensurdecedor, de quem tudo vê sem nada olhar. A vida lá fora estava uma selva...

beijos a todos

sexta-feira, agosto 04, 2006

SONHO


Encontro-me sentada numa mesa de café e sem saber bem porque, dou por mim a analisar os comportamentos daqueles que me circundam. Eu estou sozinha…mas ao mesmo tempo rodeada por cerca de vinte pessoas, numa esplanada situada na zona mais movimentada da cidade.

Sinto-me só, no meio da multidão! Parece estranho, mas seguramente este sentimento invade todos aqueles que se dignam a questionar o seu quotidiano.

Deveria meter conversa com alguém? Será que devia perguntar ao Ansião, da mesa ao lado, que experiência tem para partilhar com uma jovem cheia de incertezas, medos e sonhos? Porém resigno-me ao silêncio e continuo a contemplar, como que ignorando tudo e todos.

O que estarão todos a pensar? Será que sonham acordados? Ou apenas se limitam a ser umas anémonas na sociedade, bailando ao sabor da corrente e atacando todos os que deles se aproximam?

Acredito que ambas as hipóteses sejam possíveis. Se para uns o sonho faz parte de um ritual diário, de uma espécie de comando interno que os motiva a viver, outros há que se resignaram de tal forma ao conformismo nacional, que o simples acto de pensar se torna uma tarefa impraticável.

Eu creio nos sonhos, e tal como nos disse um dia o poeta “o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida como outra coisa qualquer”. Não me refiro ao que fazemos enquanto dormimos mas sim ao que sonhamos quando estamos bem acordados.

Imediatamente, lembro-me de uma conversa que tivera anos antes, neste mesmo café. Nesse dia estava na companhia de um amigo e dissertava acerca das motivações individuais e do futuro. No seguimento desta conversa explanamos os sonhos de cada um, até que a dado momento ele me perguntou:
- O que achas que acontece quando eu esgotar os meus sonhos?
Imediatamente retorqui:
- Ficarei muito triste e certamente chorarei…
Ele indignado olhou para mim, e em sobressalto questionou o porque de tal afirmação. Olhei-o nos olhos e respondi:
- Caro amigo, quando esse dia chegar eu saberei que morreste!

Nesse momento, não pensei na morte como ausência de sinais vitais ou como, refere o senso comum, uma passagem para o outro lado. Pensei nela como uma estagnação, uma desistência.

A perda de objectivos e ideais traduz-se numa passividade perante a vida o que se espelha na forma mais clara de estupidificação individual. Esta é também uma forma de morte… cerebral.

Sejam sonhadores.

terça-feira, agosto 01, 2006


Quem me derá ter vivido na epoca em que a revolução cultural e intelectual fazia parte do quotidiano nacional, em que Homens e Mulheres lutavam por aquilo em que acreditavam como se de uma missão se tratasse.
Actualmente, vivemos numa sociedade isenta de valores, na qual se apregoam as glórias do passado vilusbrando as misérias do futuro. As causas tornaram-se individuais, e a tão celebre frase de "um por todos e todos por um" caiu em esquecimento.
Todos os dias somos invadidos por nóticias que em nada dignificam a existência humana, mas mesmo assim passeamo-nos na rua de queixo levantado e com um ar imponente, como se os nossos telhados não estilhaçassem a qualquer momento.
As discussões intelectuais giram em volta de quem vai ganhar o campeonato de futebol ou, quem vai ficar com quem na série morangos com açucar, já para não falar da leitura cor de rosa da qual, nós portugueses, muito nos orgulhamos. Sim realmente evoluimos quando nos informamos acerca da vida intíma de pessoas tao inteligentes como a Bibá Pitta ou a Cinha Jardim. Quem foi Alvaro Cunhal, Fernando Pessoa ou Luis de Camões quando comparados com tão nobres personagens do jet set português?
Realmente vivemos numa sociedade necrosada e fétida e cujo desbridamento se torna cada vez mais díficil...